Filho de Ogum, jogador do Bahia diz não ver preconceito no futebol
O atleta diz gostar das definições bélicas do seu orixá, mas nega fazer qualquer tipo de ebó (oferenda) para fins esportivos.
Na mitologia do candomblé, Ogum, orixá do volante Feijão, 23, cria da base do Bahia, é um arquétipo do guerreiro impetuoso, que não desiste das batalhas.
O atleta diz gostar das definições bélicas do seu orixá, mas nega fazer qualquer tipo de ebó (oferenda) para fins esportivos. “Só faço as coisas para me sentir bem”.
O candomblé é herança da família de Feijão. Foi ensinado pela mãe e antes pela avó no terreiro que ele frequenta, de Pai Ricardo, que há quase 30 anos comanda um espaço em Cajazeiras 5 (região periférica de Salvador).
Adepto da religião desde a infância, o jogador foi chamado de “macumbeiro”, “carniça” e “miséria” por um internauta, que ainda exigiu a saída dele do clube. Marcando o seguidor para direcionar a mensagem, Feijão rebateu.
“Sou macumbeiro mesmo, não tenho vergonha não. Quem é você para me mandar embora do Bahia?” O estopim para as ofensas foi uma foto publicada em sua conta no Instagram em que fazia referência ao orixá. O volante estuda se irá adotar medidas judiciais contra a pessoa que o hostilizou.
Ataques a práticas e cultos religiosos é crime pelo Código Penal (artigo 208), com pena que varia de um mês a um ano de detenção e multa.
O advogado criminalista Milton Jordão enxerga nos ataques a tipificação também de injúria racial. “No artigo terceiro do artigo 140 [sobre injúria racial] há a menção de ataques à raça, cor, etnia, religião ou origem”, diz.
“Muito triste isso acontecer justamente aqui na Bahia, um lugar onde a imigração africana deixou marcas tão profundas em nossa cultura”, lamentou Pai Ricardo em entrevista à Folha de S. Paulo.
Com passagens por empréstimo por Flamengo e Atlético-GO, Feijão diz que, desde os tempos da base, conviveu com uma maioria de jogadores evangélicos.
Ainda assim, não se lembra de ter sofrido atos de intolerância por parte de colegas ou mesmo de adversários em campo. Ele diz que participa das rezas e citações bíblicas nas rodas de oração no vestiário, antes dos jogos.
“Não escondo que sou do candomblé para ninguém. Mas rezo junto com eles, falo da Bíblia e faço parte da roda. Comigo não tem essa não”, afirma Feijão.Pai Ricardo endossa: “A Igreja Católica e, hoje mais fortemente a Evangélica, diz que nosso Exu [orixá] é uma caracterização do demônio. Não trabalhamos com o maniqueísmo e nem com essa figura diabólica. Ficamos com uma pecha de religião satânica de forma distorcida.”
O antropólogo Júlio Braga, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), enxerga uma relação direta no crescimento das religiões neopentecostais com o aumento da intolerância.
“O candomblé ficou muito marcado, principalmente no futebol, como uma religião que faz trabalhos para prejudicar os outros. Mas fazemos nossos ebós para abrir nossos próprios caminhos espirituais e receber as melhores energias. Nunca contra alguém”, afirma Pai Ricardo.
Quando o Bahia disputou a final do Brasileiro de 1988 -na qual sagrou-se campeão- uma figura que marcou a decisão foi a do torcedor Lourinho. Ele usava alfinetes para espetar bonecos com o nome de jogadores do Internacional, rival da disputa.O goleiro do Internacional na ocasião, Taffarel, que depois seria campeão mundial em 1994 com a seleção brasileira, foi um dos mais visados pelo torcedor símbolo do clube tricolor baiano.
Autor de frases que entraram para o folclore do futebol, o técnico Neném Prancha (1906-1976) encarava os efeitos da religião de matriz africana de forma jocosa. “Se candomblé ganhasse jogo, Campeonato Baiano sempre terminaria empatado”. A autoria da frase é alvo de disputa e atribuída também ao ex-técnico da seleção João Saldanha (1917-1990).
Feijão é reserva na equipe do Bahia -16º colocado no Brasileiro- comandada por Jorginho. Evangélico, o treinador integrava um grupo de orações, juntamente com Kaká e Lúcio, na equipe da seleção na Copa de 2010. Na época, ele era auxiliar-técnico de Dunga.
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